Graciela Hopstein[1
“Uma nova geração de bárbaros se erguerá para invadir e evacuar o Império”
Negri; Hardt
As manifestações de insurreição e desobediência que tiveram lugar na Argentina, entre
os dias 19 e 20 de dezembro de 2001, inauguram claramente um novo ciclo político e de
lutas na história do país. Sem dúvida, estses movimentos abriram espaço para a
emergência de uma “nova” subjetividade política e de “novas” formas de ação e
organização coletiva.
As análises e reflexões que surgiram em torno destses acontecimentos geraram os mais
diversos diagnósticos apocalípticos: “revolução socialista”; “fascismo
antidemocrático”; “alocado estalido irracional”; “morte lenta da democracia”. Neste
contexto, o que nos parece fundamental entender é que as jornadas de dezembro nos
colocam na obrigação e na urgência de pensar “a novidade” sem cair na armadilha de
inscrever os fatos numa totalidade[2 prévia e nos “clássicos” moldes teóricos e
ideológicos.
O movimento do 19 e 20 de dezembro na Argentina não contou com nenhum tipo de
organização a priori, nem com a participação dos atores políticos tradicionais. Não
houve autor nem promotor, mas sim uma multitudinária, aberta, desorganizada e
espontânea presença de sujeitos “desobedientes” manifestando seu direito de resistir.
A multidão pode ser entendida, então, como o sujeito político do presente que, além
de resistir à obediência é capaz de pensar em novas formas de ação coletiva. A
multidão é uma multiplicidade sem unidade política que se expressa como um conjunto
de minorias atuantes, nenhuma das quais aspira a se transformar-se em maioria nem em
governo, mas sim pretende, ao contrário, obstruir os mecanismos clássicos de
representação política. E é justamente neste ponto ondeem que, a nosso entender,
radica a originalidade e a especificidade do movimento de dezembro: na radical
descrença e oposição frente ao sistema político moderno, baseado na democracia
representativa. Nesse sentido, o grito “que se vayan todos, que no quede ni uno sólo”
[3 presente ao longo das sucessivas manifestações ocorridas durante e após dezembro,
resulta particularmente emblemático.
É por essa razão que o ciclo de protestos desencadeados na Argentina a partir de
dezembro de 2001 não pode ser apenas pensado no nível local, mas deve ser analisado
também na sua dimensão global. Por queê? Em primeiro lugar, podemos afirmar que esses
eventos colocaram em evidência o esgotamento (e crise) de um modelo político-
econômico de alcance mundial baseado no sistema democrático representativo e no
Estado, e também na implementação de programas de corte neoliberal. Por outro lado,
podemos observar também que estas manifestações conseguiram reavivar, sem dúvida, a
dinâmica constituinte das lutas, mobilizações e protestos globais. Se com os atos
terroristas do 11 de setembro, o ciclo de lutas esboçadas desde SeatleSeattle até
Gênova entrou num verdadeiro impasse, os episódios de dezembro na Argentina abrem
novamente a possibilidade do “movimento dos movimentos” manter viva e aberta sua
força política e potência criativa. Nesse sentido, podemos salientar que, embora os
eventos de resistência que tiveram lugar na Argentina estejam fortemente assentados
em condições locais específicas, se colocam-se claramente contra as formas jurídicas
e forças do capitalismo globalizado, isto é, contra a poderosa “máquina imperial”.
Também podemos dizer que o ciclo de lutas e protestos que se inicia na Argentina, do
mesmo modo que em Seattle, Praga, Gênova, etc. é de caráter constituinte; não obedece
a nenhuma organização hierárquica, nem respeita nenhum tipo de organização
instituída. Essas lutas são, basicamente, manifestações de recusa e de resistência
contra qualquer forma de poder e dominação constituído e transcendente.
Sem dúvida, os acontecimentos de dezembro implicam um momento de corte e ruptura,
tanto no que diz respeito às dinâmicas das lutas[4, como nas formas de entender e
apreender a política, e particularmente em relação ao conceito de democracia.
Atendendo a uma postura dogmática e institucionalista, uma democracia só pode
alcançar uma certa maturidade quando ela serve para organizar os fluxos de poder de
uma sociedade, e quando consegue criar instâncias de controle e de negociação. E
neste sentido, a dinâmica aberta e constituinte dos movimentos é considerada pelos
analistas políticos “tradicionais”, não apenas como “um jogo pequeno de tranças que
não estão orientadas a nenhum tipo de bem público, restando, desta forma qualidade à
democracia”[5, mas também como um fenômeno perigoso que, por deixar à a política
“solta” e nas “mãos do povo”, poderia levar até ao surgimento de “velhas” e temíveis
figuras ditatoriais[6.
Contrariamente a estas visões, podemos dizer que os acontecimentos do 19 e 20 de
dezembro marcam um ponto final à aterrorizante dicotomia “democracia e ditadura”,
quebrando a idéia de que qualquer manifestação política “contra” colocaria em perigo
os princípios e valores da democracia e as suas formas de governabilidade,
reavivando, em conseqüência, os fantasmas dos militares e da ditadura. Os
acontecimentos de dezembro iniciam uma nova fase política no país, onde em que o fim
do medo e as pessoas na rua, ocupando espaços públicos, constituem claros signos de
criação coletiva e de potência constituinte. Neste novo contexto histórico, a
democracia deve ser entendida, então, como a expressão multilateral da multidão,
radical imanência da potência, exclusão de todo signo de definição externa[7, e, o
que pode resultar mais radical ainda, negação de todo poder constituído, oposição à
idéia de constitucionalismo e de todo signo de transcendência. Desde esta
perspectiva, é a poteência democrática da multidão a força capaz de organizar “o
novo” de forma criativa. “Começar de novo, começar do novo. O novo bárbaro não vê
nada permanente, mas justamente por isso vê caminhos em toda parte…” [8
Os acontecimentos de 19 e 20 de dezembro
Entre os acontecimentos significativos que desencadearam os eventos de dezembro, a
implementação do “corralito”[9 — confisco dos depósitos bancários, com as
conseqüentes limitações nos saques de dinheiro de todas as contas -correntes
existentes no sistema — no começo do mês de dezembro, constitui um episódio
fundamental. Embora esta medida teve tivesse um especial impacto para os setores
médios urbanos, as conseqüentes restrições na circulação do dinheiro e as quedas
abruptas nos níveis de compra e consumo afetaram ao conjunto da população, instalando
uma sensação de caos e crise generalizada. Semanas mais tarde, as imagens na TV
mostravam, primeiro nos principais centros urbanos do interior do país, extendendo-se
horas mais tarde para a área metropolitana da cidade de Buenos Aires, e logo se
espraiando em todo o território argentino, uma multidão de mulheres, homens,
crianças, desocupados, estudantes saqueando supermercados, cortando bloqueando
estradas e caminhos, e atacando de forma direta (com insultos e pedras) àas forças
policiais que tentavam “controlar” os “atos de violência” e “restabelecer a ordem”.
Frente a esses acontecimentos “incontroláveis”, e no contexto geral de confusão que
se vivia no país, na noite do 19 de dezembro, o governo do então presidente De lLa
Rua decretou o “Estado de Siítio”, sem prévia consulta nem aprovação parlamentaria.
Acabado o discurso do presidente, pronunciado em cadeia nacional de televisão
nacional, que paradoxalmente convocava à “união dos argentinos”, começaram a soar de
forma espontânea as primeiras panelas nos bairros da capital portenha. Esse som
tímido e difuso proveniente dos apartamentos e casas da “classe média” de Buenos
Aires, em lugar de se extinguir, foi aumentando em intensidade e extensão. Estava- se
produzindo um fenômeno espontâneo e generalizado em todos os bairros da cidade:
começava “El Cacerolazo” (O Panelaço).
Eram altas horas da madrugada, e a cidade cobrou vida novamente. Em vários e diversos
pontos de Buenos Aires[10, a multidão começava a ganhar as ruas, os espaços públicos
demonstrando sua força e potência criativa, e, o que é ainda mais significativo,
desafiando as máquinas de poder e suas estratégias de medo e repressão.
Em um comovedor depoimento, Horácio Gonzalez — reconhecido intelectual e ativista
político argentino – – expressou:
“A inexistência de bandeiras essa noite não pode ser considerada como uma carência,
ao contrário, formava parte de uma descoberta interessante (…) ocupar a praça de
madrugada, em circunstancias circunstâncias de excepcionalidade, nas altas horas da
madrugada e no contexto do estado de sítio (…). Foi uma noite formidável, nunca vi
uma noite assim, porque não tinha nada que pudesse conter a expansão da multidão
(…) Essa noite nos encontrávamos com conhecidos que já não eram conhecidos, porque
não se sabia como era que a gente estava ali (…) até eu, não era inteiramente
conhecido para mim mesmo (…)[11”
Outros depoimentos e declarações de pessoas que participaram das calorosas
manifestações de dezembro apontam também para o surgimento de elementos novidosos
novos e significativos tais como: a emergência de novas práticas, identidades e
sujeitos políticos; a ausência de qualquer tipo de convocatória unívoca e das
organizações políticas clássicas; e finalmente, para o espontaneiísmo festivo “ao som
das panelas” e dos cânticos de rejeição à classe política argentina.
Horas mais tarde, o governo ordenou a repressão policial, não apenas na Capital
Federal, mas também nos centros urbanos do interior do país onde foram se
reproduzindo de forma significativa e sistemática manifestações espontâneas de
desobediência. A partir desse momento começaram os confrontos entre a policia polícia
e os manifestantes, alguns tentando resistir sem violência e outros respondendo com
pedras e paus. As revoltas deixaram um saldo de muitos presos, feridos, sete mortos
só somente na Capital Federal, e 31 ao longoem todo do país (…) e, talvez vez,
teriam sido muitos mais se De la RúaDe la Rúa não tivesse apresentado sua renuncia
renúncia e fugido em um helicóptero da Casa Rosada (Casa de Governo). O resto da
história é por todos conhecida: a destituição de De la Ruúa foi seguida de uma
sucessão caótica de presidentes e medidas políticas e econômicas que tentavam
“paliar” sem nenhum tipo de resultado a profunda e descontrolada “crise argentina”.
Os panelaços e protestos contra a classe política, parlamentares e presidentes de
turno; contra os bancos, empresas transnacionais e contra o Supremo Tribunal de
Justiça continuaram, e continuam até hoje, gerando uma ruptura irreversível com o
regime político estabelecido.
A partir dos protestos de dezembro podemos perceber que na Argentina profundizou-se
ainda mais a cissão entre o sistema político e a sociedade mobilizada que hoje se
reúne, discute e polemiza nas praças públicas, nas estradas cortadas, nas fábricas
ocupadas. As novas militâncias, práticas e formas de fazer e organizar a política,
embora não envolvem o conjunto dos argentinos, deram origem à emergência de uma outra
densidade social. Se por uma parte podemos reconhecer uma marcada ausência de comando
estatal, também nos encontramos hoje frente a uma complexa, múltiple múltipla e
aberta trama de redes políticas de tipo novo que, frente ao vazio de poder, e
contrariando às previsões apocalípticas, definem espaços cheios de potência, onde “o
novo” tem a capacidade de criar dinâmicas políticas e sociais democráticas e
constituintes.
A “outra” política argentina
“Os novos bárbaros destroem com uma violência afirmativa e traçam novas trilhas de
vida através de sua própria existência material”
Negri; Hardt
As novas formas de protesto emergentes na Argentina de hoje não estão sujeitas
necessária e exclusivamente à obtenção de planes sociais, à devolução das poupanças
pressas no “corralito”, nem à obtenção de trabalho e emprego. O que é exigido, de
modo geral, é uma profunda transformação do sistema político que não foi capaz de
responder às demandas sociais e ao desejo coletivo. Neste cenário, começaram a surgir
grupos, movimentos e redes que procuram “controlar” e combater o poder constituído a
partir de práticas que impliquem uma maior participação e uma menor delegação. De
modo geral, esses movimentos não contam com dirigentes, senão com militantes. As suas
estruturas não estão organizadas por cargos fixos, mas por responsabilidades
flexíveis. A busca é radicalmente outra, já que se colocam contra todo tipo de
práticas que impliquem direção política, hierarquias e programas políticos definidos
apriori, porque desta forma temem ser tomados pelo poder, e assim (e com isso),
reproduzir os mesmos vícios que criticam. Algumas dessas novas expressões saíram para
confrontar a realidade sabendo que não é possível encontrar uma resposta do Estado
frente a determinadas carências: falta de remédios ou de outros insumos básicos, e
frente aos problemas vinculados à circulação de moeda e ao escasso (ou baixo) poder
de compra. “El Club del Trueque” – que constitui uma interessante experiência de
economia solidária – e os grupos que organizam compras comunitárias, são exemplos
significativos nesse sentido. Desde uma outra esfera, e provenientes do âmbito
cultural, os grupos “Boedo Films, Cine Insurgente, Contraimagen e Indymedia
Argentina”[12 estão conformados por jovens que se conheceram fotografando e filmando
os acontecimentos de dezembro. A organização rede que hoje os reúne e nucleia sob a
consigna “Vos lo viviste, no dejes que te sigan mintiendo”[13 chama-se “Argentina
Arde”, em homenagem aos artistas setentistas de Tucumán Arde, que ligaram sua
produção às lutas populares. Suas câmeras estão presentes nas assembléias de bairro,
nas fábricas ocupadas, nos “piquetes” (corte bloqueio de estradas e caminhos) e nos
diversos protestos e manifestações. A finalidade desses grupos é difundir, denunciar
e gerar o debate e a mobilização, atuando como um autêntico grupo de
“contra-informação”. Neste contexto, não podemos deixar de mencionar o conjunto de
grupos e movimentos de artistas – como por exemplo o Movimento Argentina Resiste
(MAR) e o Grupo de Arte Callejero (GAC) – que, formados por atores absolutamente
heterogêneos, além de exercer a denúncia política recorrendo a linguagens teatrais,
lutam em defesa do patrimônio cultural local.
Também emergentes das manifestações de dezembro, as assembléias de bairro constituem
um fenômeno destacado de atividade e ação militante. As assembléias são hoje um
espaço político, absolutamente autogestionário, de encontro “fora das estruturas”, a
partir do qual se pretende “construir uma forma própria de fazer política” sem que
isto implique delegação, nem criação de candidatos ou representantes. Numa pesquisa
publicada pelo “Centro de Estudios para la Nueva Mayoria” constatou-se a presença
ativa de 272 assembléias ao longo do país que se reúnem com certa periodicidade e que
discutem problemas pontuais de cada bairro – vinculados a comedoresrestaurantes
populares, coleta de lixo, etc – bem como também a sua participação em outras
instâncias da esfera pública como assembléias inter-bairros, manifestações no nível
nacional, etc.
Um dos movimentos que vem assumindo um papel protagônico protagonista na luta social
na Argentina, e que vem atuando desde a era menemista, é o movimento “piquetero”[14.
A estratégia de luta que os reúne é o “piquete”, isto é corte de estradas e caminhos
que comunicam, por exemplo, plantas petroleiras com centros urbanos. Os “piquetes”
geraram não apenas uma forte identidade comum, mas também a criação de novas redes de
solidariedade e de produção através do trabalho autogestionárioivo em hortas,
comedoresrestaurantes, e creches comunitárias. Esses movimentos lutam contra toda
forma de exclusão, pretendendo a integração dos excluídos na sua própria condição de
exclusão. Embora pareça um paradoxo, a inclusão dos excluídos constitui uma
verdadeira ameaça para o sistema porque ambos – incluídos e excluídos – pertencem à
mesma sociedade e ninguém pode ficar fora dela. (Não há como colocar-se “fora” do
Império)
Dentro do movimento podem se identificar várias frações políticas: as organizações
mais estruturadas que contam com a participação de grupos ligados e/ou oriundos de
partidos políticos e centrais sindicais, e as independentes e autônomas. Formam parte
do primeiro grupo a “Federación Tierra y Vivienda” (FTV) ligada à “Central de
Trabajadores Argentinos” (CTA) – pertencente à estrutura sindical- , o “Movimiento
Teresa Rodriguez”; e a “Corriente Clasista y Combativa” (CCC), com sede no município
de “La Matanza”, localizado na área metropolitana de Buenos Aires[15 – que reúne
pessoas provenientes do partido peronista e do partido comunista revolucionário, mas
também desocupados independentes. Embora baseado na diversidade, este esta fração do
movimento aceita a existência de múltiples múltiplas e variadas estratégias de
ação,”por dentro e fora das estruturas de poder”, sem deixar de questionar o papel do
estado e do sistema, em geral. O Movimiento de Trabajadores Desocupados (MTD) – a
partir dos 13 centros que operam ao longo do país – e particularmente a “Coordinadora
Aníbal Verón”, com sede no município de Lanús (também localizado na área
metropolitana de Buenos Aires), mantém uma postura política radicalmente oposta à
anterior, colocando a autonomia, a independência, e o contra-poder como princípios
básicos da movilização mobilização e da luta. Martín, militante ativo desta fração,
coloca: “Autonomia é depender de nós mesmos, não esperar que venham desde o céu para
nos ajudar, gerar os nossos próprios projetos produtivos (…) O poder não esta está
no estado nem em nenhuma das estruturas institucionais (…) o poder esta está nas
relações sociais, em cada uma das pessoas”[16
Não podemos deixar de mencionar aqui o movimento das fábricas ocupadas e autogeridas
pelos próprios operários que decidiram assumir as atividades produtivas frente à
decisão de fechamento, e em muitos casos até de abandono, por parte dos
proprietários. Baseados nos princípios de auto-organização, autonomia, auto-gestão e
cooperativismo, esses empreendimentos constituem uma autêntica solução ao problema da
falta de emprego, criando um projeto coletivo e alternativo de geração de trabalho e
renda.
Por sua parte, os correntistas afetados pelo “corralito”, reunidos na agrupação
“Ahorristas Argentinos Estafados[17”, continuam percorrendo os bancos batendo as
suas panelas, exigindo a devolução dos depósitos confiscados. Eles também operam sem
estrutura nem regulamentação interna. Nas suas declarações e discursos identificam ao
FMI e outros organismos internacionais como os principais responsáveis da crise
argentina, e lutam também por uma mudança estrutural do sistema financeiro.
Observados em seu conjunto, podemos afirmar que esses novos movimentos embora
atravessem a sociedade como um todo, e em muitos casos compartilham até os mesmos
princípios e formas de ação, não podem ser definidos nem identificados de forma
unívoca. Sem dúvida, este fenômeno múltiple múltiplo e fragmentado constitui uma
experiência socio-política inovadora sem precedentes na história argentina. Através
da conformação e articulação em redes, de novas formas associativas e
autogestionárias, horizontais e democráticas estão surgindo de forma heterogênea
novas linguagens e novas formas de entender e organizar a política.
As lutas emergentes deste novo contexto histórico são ao mesmo tempo políticas,
econômicas, sociais e culturais, e por atuar sobre as diversas formas de vida são,
portanto, biopolíticas.
Tal vezTalvez a pergunta que deve ser colocada para entender a dinâmica das novas
lutas seria: se os piqueteros conseguem trabalho e emprego e os correntistas suas
poupanças novamente, seria o fim da existência desses movimentos? Para evitar cair em
uma resposta fechada – até porque seria impossível fazer predições sobre o futuro –
resulta importante compreender que estas lutas, por serem na em sua essência
constituintes, são antitrascendentes e antiteleológicas, e se opõem, portanto, a todo
signo de institucionalização e definição externa, contribuindo desta forma para criar
novos espaços públicos e novas formas de comunidade.
[1 Pesquisadora associada ao LABTeC/UFRJ. Doutoranda ESS/UFRJ
[2 Neste caso nos referimos ao sentido clássico do conceito de totalidade, aquele
que Negri e Hardt denominam como totalidade do direito e do Estado, abrangendo as
formas de produção e reprodução do poder constituído. Do ponto de vista da “ciência
insurgente” o objeto de estudo da totalidade é “o absoluto democrático” que considera
a desobediência, a rebelião, a recusa e a insubordinação como seu campo positivo.
Neste sentido a totalidade é rigorosamente antitrascendental, antiteleológica e
antidialética, e é tão aberta como o mundo que ela constrói. Trata-se de um mundo
movido pelo desejo e pelas paixões, constituindo espaços abertos cheios de
possibilidades e de potencialidades. (Hardt, Negri; Revista Lugar Comum 13 -14; 2001)
[3 N de T: Que tudo mundo vá embora, que não fique mais ninguém.
[4 Embora existam elementos de ruptura, também podemos reconhecer elementos de
continuidade no que diz respeito às lutas e movimentos sociais na Argentina. Neste
sentido podemos identificar a presença de movimentos e lutas sociais de “tipo novo”
tanto ao longo da era menemista como da gestão de De la Rua. Cabe mencionar aqui os
casos das lutas vinculadas aos direitos humanos (particularmente os casos “Maria
Soledad Morales e Carrasco”) e os resultados das ultimas eleições (em 24/10/01) que
já preanunciavam a rejeição à classe política argentina. Nessa ocasião apenas 50% do
eleitorado participou dos comícioscompareceu às urnas, e desse total aproximadamente
30% dos votos foram nulos e impugnados.
[5 Entrevista Guillermo O’Donell;”La democracia está en un proceso de muerte lenta”;
Diario Clarin; Buenos Aires 22/09/02. www.clarin.com.ar
[6 Neste sentido, Guillermo O’Donell na mencionada entrevista realizada pelo jornal
argentino Clarín colocou textualmente: “¿Un Hitler? ¿Un Mussolini? Bueno que venga.
Nosotros ya estamos en ese tobogán”
[7 NEGRI, A.; El Poder Constituyente; Madrid; Librerías Prodhufi; 1994
[8 NEGRI, A.; HARDT, M; Imperio; Rio de Janeiro; Record; 2000
[9 O denominado metafórica e popularmente “corralito” — Curralzinhoinho – alude à
medida econômica instaurada por Cavallo, Ministro de Economia durante o ultimo
período de gestão de De La Rua. Segundo o Dicionário Aurélio, o curral é um lugar
fechado onde se junta e se recolhe o gado.
[10 Na Plaza de Mayo, no Congresso Nacional, na Residência do (ex) Ministro Cavallo,
entre outros.
[11 Horacio González; Problemas y desafíos; In Colectivo Situaciones; 19 y 20:
Apuntes para el Nuevo Protagonismo Social; Buenos Aires; De mano en mano; 2002.
[12 Indymedia ou Independent Media Center são grupos e redes de comunicação que,
através da Internet, oferecem textos, fotos, vídeos e áudio. Formam uma espécie de
agência de notícias alternativa, ativista e descentralizada, ligada a uma rede de
websites cuja porta de entrada é www.indymedia.org
[13 N de T: Você viveu aquilo, não deixe (ou permita) que continuem te mentindo (ou
te enganando)
[14 Os “piqueteros” são as pessoas que utilizam o bloqueio os cortes de estradas
(piquetes) como forma de protesto.
[15 A Região Metropolitana de Buenos Aires é o lugar onde se encontra a maior
proporção de desocupados e pobres do país, que segundo as informações difundidas pelo
INDEC (Instituto de Estatística da Argentina), atingem 50% da população.
[16 “El partido que se juega por afuera”; Diario Clarín; Buenos Aires; 4/8/02
[17 N de T: o termo estafa pode ser traduzido como furto fraude ou roubo, portanto
estafados significa roubados.
.